Até os cinco anos de idade, morou com sua família no sítio dos seus avós italianos em Adamantina e depois se mudaram para São Paulo; mais tarde seus avós também mudaram-se para São Paulo. É o primogênito de quatro filhos, sempre estudou em escola pública, fez curso técnico em Contabilidade e aos 13 anos começou a trabalhar como office boy. Após trabalhar em diversas empresas em São Paulo, já casado, a convite de um ex-colega de trabalho que lhe ofereceu uma oportunidade de trabalho em Salto-SP, mudou-se para a cidade onde permaneceu por sete anos até retornar a capital paulista. Ao passar numa agência de emprego no Ipiranga, soube de uma vaga de contador no IMES; foi entrevistado pela Vera Lúcia Basso, seu primeiro contato com a USCS. Nercilio sente-se grato por tudo que conquistou enquanto esteve trabalhando na USCS. |
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Pergunta:
Professor, eu gostaria que o senhor começasse falando seu nome completo, local e data de nascimento.
Resposta:
Meu nome é Nercilio Borri, eu nasci em Adamantina na cidade de São Paulo, eu nasci em 20 de abril de 1949, para você ver que eu tenho 67 anos nas costas [risos] e eu entrei na USCS, no IMES antigamente, o instituto né, dia 01 de julho de 1977.
Pergunta:
Nós vamos chegar lá em 1977... [risos]
Resposta:
Na data.
Pergunta:
Mas antes de 1977, eu queria que você começasse relembrando o que você tem ai na memória, o que você guarda na memória do seu período da primeira infância, sua família como era, morou com eles até quantos anos?
Resposta:
Ah, sim... Eu nasci em Adamantina por causa dos meus avôs que são italianos e meu avô tinha um sítio, e nós morávamos nesse sítio. Na minha idade até Adamantina foi mais ou menos de cinco a seis anos. Eu tenho cinco irmãos no total e nós viemos para São Paulo nessa época em que eu estava com quatro ou cinco anos, praticamente quase não vivi nada no interior nesse sentido. Aí eu vim para São Paulo e começamos a morar em uma casa alugada, que era um tremendo de um barraco lá atrás que você nem imaginava, que quando chovia, se desbarrancasse a casa ia para baixo, mas graças a Deus não aconteceu. Foi difícil o começo, porque na realidade meu pai não tinha profissão nenhuma, a não ser de lavrador na época, né, e vir para São Paulo encarando qualquer coisa é complicado. Ele foi trabalhar de empregado carregando geladeira e televisão em uma empresa chamada Hermes Macedo na época.
Pergunta:
Aonde era essa casa em que vocês moravam?
Resposta:
Essa casa em que nós fomos morar... Essa casa na realidade foi em Guarulhos, mas essa casa... Ela fazia parte do Rio Tietê, ela estava em uma cerâmica e meu pai, na realidade, começou trabalhando em uma cerâmica lá em Guarulhos, e essa cara era suspensa por madeiras, porque na realidade o rio enchia e daquela cerâmica o rio tomava conta, né, com aquelas enchentes terríveis e tal. E eu lembro até de uma ocasião que meu pai, naquela época, trabalhava em uma pipa... Você sabe o que significa pipa?
Pergunta:
Não, não sei.
Resposta:
Pipa é um aparelho tipo moedor de cana, sabe aqueles moedores de cana em que você enfia a cana e mói? Aquilo lá moía barro e era girado por um cavalo ou por um boi. Meu pai trabalhava dentro daquele lugar em que estava o barro que ia ser jogado dentro da pipa para o boi moer e depois sair o barro para fazer a telha e o tijolo. Em uma ocasião meu pai quase morreu ali porque ele saia de casa- e a casa era perto- ele saia de casa, entrava na pipa e era mais ou menos 4h30 da manhã. Em uma época estava frio, frio, frio... Aí a minha mãe cismou que não viu aquela pipa girando e nem o cavalo, nem o boi, nada girando e falou ‘O que aconteceu?', quando ela saiu lá fora meu pai estava praticamente duro em cima do barro por causa do frio. Aí gritou todo mundo e nós o pegamos, colocamo-lo para dentro e lá dentro nós pusemos ele em cima do fogão de barro, aquele fogões á lenha, fogão de barro á lenha, e lá ele foi recuperando os sentidos e ficando melhor, porque na realidade ele estava tendo um ataque... Não sei do que, como é que chama aquele negócio de quando você está se congelando?
Pergunta:
Hipotermia?
Resposta:
Hipotermia. É hipotermia. E daí que nós nos mudamos aqui para São Paulo, para... Aqui já era São Paulo, mas mais para o lado da Vila Alpina, Vila Prudente, em uma casa melhor até. Então depois nós fomos morar na casa do meu avô, que meu avô veio também para cá depois e comprou uma casa na rua Manderá, [5'] ali na Vila Alpina, e construiu... Tinha a casa dele na frente e um terreno muito grande atrás, e lá ele construiu uma casa par aos filhos e minha mãe era a filha. E como nós estávamos em três, quatro irmãos, ele achou melhor dar para a minha mãe morar porque a gente era uma família maior e nós fomos morar lá. Aí começou depois a minha mãe trabalhar... Minha mãe trabalhava e meu pai passou a trabalhar em outro lugar, um lugar melhor, que era justamente nessa firma Hermes Macedo, que começou até a levar geladeira, televisão, fogão e tudo nas costas, indo para cima desses condomínios, dessas casas em que não passavam escadas, não passavam nada, não passavam em lugar nenhum e tem que levantar amarrar e pegar pela corda para subir no apartamento das pessoas, entendeu? Foi uma briga desgraçada. [risos]
Pergunta:
Nercilio e como foi essa adaptação... Você não tem muita recordação lá do tempo em Adamantina, né?
Resposta:
Não.
Pergunta:
Mas deve ser uma vida totalmente diferente da que você encontrou chegando a São Paulo, primeiro em Guarulhos e depois ali na Vila Alpina, queria que você falasse um pouco dessa adaptação do menino de cinco, seis anos em relação a amigos, brincadeiras... Do que você se recorda desse primeiro momento?
Resposta:
Olha, para falar a verdade, eu vim fazer amigos realmente aí na Vila Alpina... Na rua Manderá, porque naquela época lá de Guarulhos eu tinha o que? Cinco seis anos, ou sete anos, alguma coisa assim, estava mais ou menos por aí. E nós não ficamos por muito tempo nessa cerâmica porque ali na enchente que dava ali o trabalho do meu pai era muito braçal... Aí resolvemos sair e vir para a Vila Alpina, e na Vila Alpina foi onde nós tivemos realmente uma infância melhor, porque meu pai trabalhando na Hermes Macedo... Pô, nós nunca tivemos um presente de Natal naquelas épocas né, nunca... E aí lá a infância foi melhor porque a rua era de terra e os amigos que nós conhecemos lá dos vizinhos da rua, ali foi muito bom porque as encrencas eram ótimas, contra os amigos, contra os colegas, a gente saia no pau, saia na briga, jogava futebol, fazia de tudo, jogava bolinha de gude, pião... Fazia o diabo. Tanto é que teve uma ocasião em que um amigo nosso quebrou os dentes... Nós estávamos tentando pegar um balão e estava com tanta neblina que ele foi correndo e deu de encontro a um ponto de ônibus, bateu e caiu para trás, bicho... Olha foi divertido demais. Aí aqui nós começamos a ter a vida um pouquinho melhor, foi melhorando a vida nesse sentido né, e foi justamente ali que nós acabamos ganhando um presente de Natal. Quando meu pai trabalhava nessa Hermes Macedo, meu irmão ganhou um... Um aviãozinho sabe? As assas, duas rodinhas atrás e duas rodinhas na frente... E nós ganhamos um carrinho com quatro rodas e um... Manuseio no meio do carrinho, um banco aqui assim e um manuseio no meio do carrinho, e isso era para dividir em três... [risos] Você imagina a briga... Aí foi que nós conseguimos... Quer dizer, aí que realmente... Inclusive meu pai até... Deu até uma... Interessante, ele chegou para mim e falou assim... Encostou o caminhão de frente para nossa casa né, desceu com aqueles brinquedos e colocou lá em casa... Rapaz nós ficamos todos admirados com aqueles brinquedos lindos e maravilhosos, tudo novinho e tal... Meu pai entrou e falou assim: ‘Por favor, vocês não mexam naquilo porque não é de vocês. Aquilo ali é do dono da mercearia da esquina, que ele vai dar para os filhos deles. ' P***, aquilo acabou com a gente né meu... Meu pai não tinha dinheiro, a gente sabia que ele não tinha dinheiro e como é que ele ia comprar uns negócios daquele? Quando chegou o Natal foi uma alegria desgraçada, ‘Esse é de vocês, esse é de vocês', isso aí eu vou te contar, foi uma bagunça, uma zona violenta, foi muito legal.
Pergunta:
E como era a convivência com os irmãos, você me falou que eram cinco né?
Resposta:
Nós somos cinco.
Pergunta:
Como era essa convivência dos irmãos?
Resposta:
Ah era uma delícia de convivência, era um pau desgraçado... [risos] Eu tenho um irmão que era o maior capetinha né, esse era encrenca... Esse não levava desaforo não, se ele entrava em uma briga, tinham que entrar os três. Eu sou o mais velho, ele é o do meio e tem o irmão caçula, aí tem a minha irmã que é a caçula de todas: tem a minha irmã, eu, meu irmão, o outro irmão e a outra irmã. Mas os três ali eram bichos feios mesmo... Teve uma ocasião também de quando estávamos morando na casa do meu avô... Meu avô tinha a mania de guardar moedas, todas as moedas que ele tinha, [10'] ele guardava e a gente estava duro, sem _____ nenhum no bolso, a gente virava e falava assim ‘P*** que pariu a gente não tem dinheiro para comprar um chiclete, não tem dinheiro para comprar uma bala, não tenho dinheiro para comprar uma Tubaína... - porque, na época, era Tubaína né- e esses negócios todos... E esse vô sempre guardando essas moedas... Onde que esse velho as guarda?' Porque quando ele entrava no quarto, ele trancava a porta, pegava as moedas e colocava em um lugar que ninguém sabia... Ah, para quê bicho... Eu e meus irmãos... Um vai daqui outro vai de ali, outro vai de ali e um vai daqui, dá umas verificadas... ‘VERIFICA AI AONDE É QUE ELE PÕE ESSAS P*****!' E achamos o cofre do vô. [gargalhadas] Ah... Para quê nós achamos aquele cofre... P*** que pariu, vivia o dia inteiro comendo alguma coisa... Porque o meu pai e a minha mãe trabalhavam, eles não extavam em casa e não sabiam dos fatos. O pior foi quando meu avô descobriu e para quem sobrou? Para os três. P*** foi uma surra violenta, rapaz... Que meu pai e minha mãe deram... Meu pai chegou a pegar a cama assim no braço e jogar na parede assim e pegar nós embaixo da cama [risos] e quando dava brecha a gente saia pela janela né meu e caia fora... P**** nós éramos uns capetas bicho... Na rua então nem se fala, na rua então a gente aprontava mesmo, arrumava encrenca com todo mundo e quando um tomava encrenca, eram os três que entravam, ou apanhavam os três, ou batiam os três em um cara só, sempre foi assim. Inclusive em uma ocasião que nós estávamos morando nessa Manderá ainda, a rua era de terra, ai veio um trator... Foi um trator lá e começou a fazer uma vala para fazer o esgoto e a rua era meio subida né... Começou baixinho aqui, mas começou a subir e o negócio começou a afundar para fazer retas as manilhas, o "manilhamento" reto. Passou uma época e os caras não terminavam, não terminavam, continuavam furando e tal, e deu uma chuva tão violenta que inundou toda a vala e onde que nós estávamos? Nadando na vala meu filho, não deu outra [risos] e minha avó era cagueta, dedo-duro e quando minha mãe chegava a casa: ‘Seu filho fez isso, isso e isso, o outro fez isso, isso e isso. ' E p****, sobrava para a gente, então a gente apanhava para caramba, mas era divertido porque na rua nós fazíamos coisas absurdas, fazíamos mesmo, nossa... A gente fazia demais. Quando rodava peão, quando brincava de bolinha de gude, quando a gente jogava aquele taco, que você colocava a casinha assim e pega aquele taco para bater na bolinha... Jogávamos queima, a gente jogava de... Quadrilha, a gente ia de quadrilha, tinha uma quadrilha aqui e uma quadrilha ali e tinha uma cela, o pessoal que estava de um lado corria para pegar todos os do outro lado e quando chegava lá, se estivessem todos eles, era a nossa vez de correr para eles pegarem a gente. Vish... quanta briga teve aí... Nossa Senhora, você nem imagina bicho, mas era divertido demais.
Pergunta:
Você citou a questão do colégio né, e como foi aí essa entrada na vida escolar, o que você lembra-se dos primeiros anos na escola, o que mudou na sua rotina?
Resposta:
Meus primeiros anos na escola... Eu fui estudar e, lógico, não foi em colégio particular, não foi em colégio de freiras, foi na pública mesmo né, porque naquela época tinham bastante públicas, então... [tosse] O meu estudo começou em um ginásio, que é chamado de ginásio hoje né, mas um grupo escolar na Vila Alpina mesmo, chamado... Como é que chamava lá? Não sei se era Casa Branca... Não, não era Casa Branca não... Não me lembro do nome do colégio que nós começamos a estudar, mas comecei a estudar o primeiro ali. A gente nunca foi para escolinha e esses negócios que têm hoje né: a escolinha, pré, não sei o quê, não sei o quê lá, foi crescendo e foi desenvolvendo... Não, nós fomos direto para a escola normal mesmo né. Aí eu comecei... Nós começamos lá, inclusive eu e meus dois irmãos, que era na Vila Alpina, na rua Junquilhos esse colégio... Foi, mas eu não me lembro do nome agora, aí começamos...
Pergunta:
E o que você se lembra dessa época aí? Vocês continuavam terríveis nessa época?
Resposta:
Essa época também foi maravilhosa... Terríveis eram meus irmãos né, meus irmãos porque eu não era tão terrível assim né [risos], eu procurava evitar encrenca, [15'] já meu irmão trazia as encrencas [risos] e quando ele trazia as encrencas, eu tinha que entrar na encrenca, porque pô vou deixar meu irmão apanhar? Não, claro que não, vamos entrar. E aí entravam os dois, porque na realidade o irmão caçula tinha dois anos de diferença, né... Não, com referência a mim e a meu irmão, nós tínhamos dois cada, então ele tinha quatro anos de diferença né, então na realidade ele também não entrava, e quando entrava, apanhava porque não sabia bater [risos], aí quem batia éramos eu e meu irmão. E as encrencas na escola... Nós não fomos assim encrenqueiros, não fomos de muitas encrencas porque eu pensei em entrar para estudar realmente, eu pensei em entrar para estudar realmente, já meus irmãos eram meio devagar. Tanto é que meu irmão, meus dois irmãos, eles têm só o que... O que eles têm... Como é que chama? [...] Você fazia o primário, fazia o secundário, depois você fazia a admissão para você passar em alguma faculdade... Acho que era assim naquela época né. Meu irmão tem o primário, não tem o ginásio, meus dois irmãos não têm o primário e não tem o ginásio, eu já não, eu já parti para tudo isso daí entendeu? Eu fiz o primário, fiz o ginásio, fiz admissão e fui fazer técnico em contabilidade, futuramente né. Então, na realidade eu queria progredir e meus irmãos ficaram no tempo, e as encrencas nesses períodos de quando nós estudávamos juntos, eram bastante, mas só quando estudávamos juntos, porque quando meus irmãos pararam, eu continuei só que continuei sozinho né, então falei ‘eu vou continuar'. Porque eles queriam ser... Um queria ser o que? Um queria estudar no SENAI, tanto é que estudou e é torneiro mecânico. O outro que é o mais... Que é o do meio, que é eu e o do meio né... Esse daí era o mais terrível, então esse daí ele quis ser o quê? Ele quis ser motorista e para ser motorista não precisava estudar, mas para tirar carta... E como ele tinha o primário, ele sabia ler, escrever e tudo mais né, então ele tirou carta. Ele pilotou... Ele dirigiu os ônibus da CMTC, aqueles ônibus elétricos, não sei se você está lembrado, se você lembra, não sei, mas tinha ônibus elétrico lá na Vila Prudente. Da Vila Prudente a Dom Pedro I...
Pergunta:
E saia do...
Resposta:
Saía do terminal da Vila prudente e ele saía do suspensório...
Pergunta:
O motorista tinha que sair?
Resposta:
Tinha que sair do veículo, do ônibus para ir lá ao suspensório e coloca o suspensório nos fios. Aí tem um fato engraçado nesse ponto em que você falou de sair do ônibus, né... Meu irmão dirigia esses ônibus da CMTC, tanto é que ele dirigiu... Antes de dirigir o da CMTC, ele dirigiu o de uma empresa ali da Vila Alpina mesmo, que na verdade a garagem ficava em outro bairro lá, num bairro muito longe e distante da gente né... E ele pegava de manhã o _____, diz que saía 03h30, 04h da manhã para ir para a garagem para pegar ônibus para dirigir, chamado de viação Tolstói, alguma coisa assim... Ele dirigindo essa viação Tolstói e descendo a Paes de Barros, esse foi um fato, ele estava descendo a Paes de Barros lotado, o ônibus estava lotado, naquela época o pessoal ia pendurado nas portas, não fechavam as portas... Tanto é que eu perdi todos os meus documentos pendurado na porta em uma época de Copa do Mundo, pendurado na porta para ir assistir ao jogo em casa... Aí meu _____ descendo a Paes de Barros com aquele ônibus lotado, quando ele viu que estava congestionado no farol, ele meteu o pé no freio e cadê o freio? O ônibus não tinha freio, ele perdeu o freio... Aí ele gritou para dentro do ônibus: ‘SEGURA QUE EU VOU BATER NO POSTE!' e foi no poste. Ele mirou e meteu no poste... Saiu gente pela frente, na calçada e lá atrás teve "nego" que bateu a boca no suporte do banco... Esse foi um dos acidentes que aconteceu com ele.
Pergunta:
E ele ficou bem?
Resposta:
Ele ficou bem porque ele tirou o lado dele, você é bobo, ele vai dar o lado dele? Ele deu o lado do passageiro [gargalhadas], eu também faria isso. Ele tirou o lado dele e deixou o do outro... Ele ainda avisou ‘Segura que eu vou ao poste porque não tem freio' e ninguém se segurou, acharam que era brincadeira dele... Você vai se segurar quando alguém grita lá na frente [20'], com o motorista ‘SEGURA QUE EU VOU AO POSTE!'?
Pergunta:
Eu seguraria. [risos]
Resposta:
Você seguraria né. Eu também me seguraria, tanto é que tem um fato que aconteceu comigo. Eu me seguraria. Aí o que aconteceu: ele foi ao poste e um cara caiu, o outro bateu a boca... Não tiveram mortos, nenhum, só machucados, escoriações e tal. E realmente quando a perícia chegou constatou que o ônibus estava sem freio mesmo. Esse foi um fato. Com o trólebus aconteceu diferente, era muito... O Caxias, meu irmão, ele não gostava de ver ninguém descer pela porta de trás... É da porta de trás porque antigamente você subia pela porta de trás e descia pela porta da frente, hoje você sobre pela frente e desce pela de trás, você passa pela catraca e desce pela de trás. Quando aquela molecada ali na Paes de Barros que estudavam naqueles colégios de freira, estudavam naqueles colégios bons da Paes de Barros, eles pegavam o ônibus lá no começo e quando chegavam perto do colégio, eles pulavam pela porta traseira e meu irmão ficava p*** com isso, e eu falava para ele ‘Pare de fazer isso cara, eles entram pela traseira, não estão pagando, você está ganhando com isso? Você não vai ganhar nada. Você está simplesmente se... Demonstrando que você é um puxa saco da empresa... ', ‘Mas eu não gosto que saia pela porta de trás!', ‘Deixa os caras descerem pela porta de trás... ', ‘Não. Enquanto eu estiver ali, eu não vou deixar. ', falei ‘Ah, beleza então', aí aconteceu um fato. Ele subindo a Paes de Barros, ali na Vila Prudente, subindo a Paes de Barros, ele parou lá perto do colégio... Além de descerem os alunos, descia um cara junto, e nessa ele desceu pela porta da frente e foi lá dar bronca nos caras, o cara sacou uma arma e deu um tiro nele ‘PÁ!' [...] Aí o cara falou assim... Ele nem sentiu, ele nem sentiu... Entrou e voltou como motorista, aí uma passageira virou e falou assim: ‘Moço você está sangrando!', ‘Sangrando aonde?', ‘Aqui no ombro assim, o senhor está sangrando' [Aponta para a clavícula], quando ele passou a mão estava sangrando realmente, para você ver como ele era encrenqueiro né, ele era encrenqueiro... ‘Como sangrando se eu não estou sentindo nada? Mas estou sangrando mesmo... ' aí pararam o ônibus e o levaram ao pronto-socorro que tinha um hospital... Em frente assim tinha um hospital... De frente ao colégio, e realmente havia uma bala enfiada ali [aponta para a clavícula], só que era uma bala de vinte e dois, a bala se alojou aqui e está até hoje aqui porque os médicos disseram que não podiam tirar e não retiraram, ele está com ela até hoje, e esse é um dos meus irmãos, esse não era fácil não. [risos]
Pergunta:
Nercilio como foi... Em paralelo aos estudos, essa entrada ao mercado de trabalho?
Resposta:
Olha, vou falar uma coisa para você: em paralelo aos estudos, eu entrei no primário, secundário, colegial né, fiz admissão e fui estudar técnico em contabilidade... Espera aí, espera aí... Estou avançando um pouco, mas na realidade eu comecei a trabalhar com 13 anos. Eu tinha um tio que morava na rua General Carneiro número treze, o edifício número treze e ele era zelador, meu tio Domingos. Ele conhecia o pessoal que trabalhava nessa empresa, nessas empresas daquele prédio. Lá tinha uma empresa chamada Companhia Intelbras de Seguros Gerais, eram três companhias coligadas em uma só: Intelbras, Paranaense e Brasília. Ele conversou com o pessoal lá e perguntou se não estava precisando de algum office boy, aí teve um cara que falou ‘Ah, sim, eu preciso. Quantos anos ele tem?', ‘Treze anos, só que ele não pode trabalhar na rua. ', ‘Ah ele fica interno aqui, não tem problema não, traz ele aqui. ' Aí eu fui e quando chegou lá o fato era de servir café, não fazer, mas servir xícara para todo mundo que estava trabalhando ali aquele senhor, aquela garota, todos para eu servir café... Eu era meio peralta também né... ‘Você vai servir café!', só que o bule era assim né [demonstra o tamanho grande do bule com as mãos], um p*** de um bule desse tamanho e eu era menor né [25'], era pequeno né e não aguentava com o bule, aí quando chegava lá na xícara era um estrago, você imagina né, aquele bule lá em cima, a xícara lá embaixo... Fui lá e derrubei de propósito né, ‘P*** VOCÊ DERRUBOU TUDO AQUI!', ‘Desculpa, foi sem querer, eu não aguento segurar o bule... ', aquelas desculpas de aleijado né, e foi indo. Foi indo de office boy interno, aí eu fiz treze, catorze, e com catorze comecei a sair na rua e comecei a ser office boy mesmo, fazer pagamentos de títulos em bancos, retirar dinheiro bancário, fazia retirada e não tinha tanto assalto quanto tem hoje e você... Caso o cara olhe e fale ‘Olha, esse tem dinheiro, vamos assaltar ele', não era assim... Guardava tudo dentro de uma pasta. Eu saía da Av. General Carneiro e ia pagar título lá no final da São João a pé... Banco do Estado da Guanabara. Lembro-me até hoje, ia pagar título lá dessa Intelbras né, e essa Intelbras depois o que aconteceu? Foi crescendo essa empresa e nos mudamos para a rua José Bonifácio, que é paralela com a rua Direita, fomos trabalhar ali. E ali era bem mais amplo, o escritório era grande, tinham dois ____, um na frente e outro atrás, elevador e tudo mais, e nós começamos a trabalhar ali. Aí eu comecei a trabalhar de Office boy também, mas aí o outro falou para mim... O diretor Martinelli, Romeu Martinelli, diretor dessa empresa de seguros, ele falou: ‘Nercilio você não vai trabalhar mais de Office boy, você vai trabalhar interno agora, então você via atender campainha. ', eu falei ‘Espera aí, atender campainha/ Que negócio é esse?', ‘Nós vamos colocar uma mesa lá na frente e você vai ser o um tipo de recepcionista, você vai atender a porta, para quem chegar, e vai atender aos setores que te chamarem', ‘Mas como vou saber que vocês estão me chamando?', aí eu vi como é que eu ia saber: colocaram uma campainha assim enumerada com 1, 2, 3, 4, 5, 6 e cada setor que apertava a campainha lá, aparecia o número da campainha. ‘Setor cinco está me chamando', aí eu ia lá, pegava a documentação e levava para outro setor. ‘Setor tal está me chamando' e fazia isso e atendia as pessoas que entravam ali, bloqueava as pessoas que entravam direto né, ‘Você quer falar com quem?' e tudo mais, comecei ali. Nessa Intelbras... Intelbras, Paranaense e Brasília, que na verdade eu fui registrado na Companhia Paranaense, né que são as três seguradoras. Nessa Intelbras, Paranaense, tudo a mesma companhia né, tinha um setor que tinha, mais ou menos, uma base de quinze a dezesseis mulheres que trabalhavam com datilografia, fazendo extenso, sabe o que é extenso?
Pergunta:
O senhor pode explicar para a gente?
Resposta:
Extenso é quando você... É um papel que na frente é um papel normal, atrás ele tem um carbono e quando você vai datilografar nesse extenso, não se datilografa com fita, só a máquina batendo nesse extenso, máquina de escrever batendo, e as letras iam sendo gravadas nesse extenso. Esse extenso depois é levado para máquina de... Como é que chama aquela máquina? [...]
Pergunta:
Miógrafo?
Resposta: Miógrafo! Botava no miógrafo, colocavam-se as tintas dentro da máquina, girava e saía escrito nas folhas. Esse é o extenso que saia de monte. E nessa sala tinham um monte de mulheres trabalhando, umas quinze, e ali que aprontava. [risos] Eu larguei um rato outro dia dentro dessa sala e só saia mulher pulando ‘AH! AH!' [gargalhadas], a mando de uns amigos lá dentro, ‘Ah, bota um rato, uma barata... ', ‘Pode deixar que eu coloco!' e eu fui lá e larguei à barata, larguei o rato e só se via mulher gritando né... E esse Martinelli gostava de mim, o chefão né, __________ [...] E ele... Você não ouvia ir para o seu lado, parece que o homem andava de sapatos de borracha, parecia gato... Quando você menos esperava ele estava do sue lado [30']... ‘O que você está fazendo?' [...] Campainha número um: [som de campainha], Martinelli, ‘F****, vai me mandar ir embora' [risos]... Depois dessa plantação aí, né... E era gozado que no meio do prédio havia um vão, do lado de cá era o miógrafo, do lado de lá ficavam as meninas, entrava pelo corredor aqui, ia lá à porta e entrava... Falei o que eu aprontei que eu soltei o ratinho ali, aí voltei para entrar ali e ver a reação [risos], eu, Garcia, Antônio e mais outros caras fomos ver a reação das meninas e p****, foi um salseiro rapaz... Era mulher em cima de máquina, em cima de mesa, em cima de cadeira, em cima de tudo... E o Martinelli só ouvindo, aí me chamou e eu fui lá... ‘Seu Nercilio, não é possível, eu não sei mais o que fazer com você, acho que vou te mandar embora', ‘Não, seu Martinelli, não fui eu quem fez isso!', ‘Como não foi você? Elas estão falando que foi... ', ‘Mas quem viu?!' [...] Porque além do corredor, havia outro corredor interno e ali começava a ser o... Então nesse corredorzinho aqui, era só abrir a porta, colocar o bichinho e ele ia para lá, ninguém via quem era então não tinha como... Falei: ‘Pode perguntar lá, Martinelli, veja se fui eu, pois não fui eu não. ' [...] Chamaram as meninas lá, chamaram uma, chamaram outra... ‘Ah, nós não temos certeza de que foi ele, nós não o vimos colocar', e passou por isso mesmo... Até que enfim eu passei por essa. Mas foram meus amigos que me mandaram fazer isso e eu acabei fazendo. Mas dentro desse setor aí, quem me ensinou a datilografar foram as meninas, porque eu não datilografava, eu não sabia, nunca fui a aulas de datilografia. Daí pegaram uma máquina de lá, colocaram em minha mesa e começaram a me ensinar, isso, isso, isso, aquilo, aquilo, aquilo... Ensinando-me a datilografia. Foi ali que eu aprendi datilografia sem pagar. De ali, eu estudava... O que eu estava estudando naquela época?... Estava estudando no segundo colegial ainda, que chamam assim hoje né... Depois eu fui fazer... Ah! Depois essa empresa... A Intelbras, ela faliu. [...] Intelbras, Brasília e Paranaense, faliram. Mas tinha uma maior, que era a Companhia Seguradora Brasileira que segurava as três, aí nos transferiram para lá... Alguns funcionários foram mandados embora e outros foram transferidos para lá, e eu fui para lá com o Martinelli, ele falou ‘Nercilio vem junto comigo' e eu fui junto com ele, aí comecei a aprontar na outra também [risos]. Eu era um capeta naquela época... Tanto é que nós fomos tirar uma fotografia... Tem uma fotografia até hoje, eu acho, essa fotografia, nós tiramos em cima do banco do estado de São Paulo, lá na Praça Antônio Prado, sabe né? O banco Banesco, na torre lá em cima, tiramos uma fotografia de lá, com essas meninas todas, foi até bacana. E depois de ali eu fui trabalhar aonde? [...] Intelbras [...] Eu fui para a York... York Produtos Cirúrgicos.
Pergunta:
E você já tinha quantos anos mais ou menos?
Resposta:
Acho que eu já tinha 17, 18 anos, mais ou menos. [...] Aí eu já fui para lá, para a York, acho que como caixa, já, como eu já tinha a manha né... Eu fui como auxiliar, depois de auxiliar eu passei a ser caixa da empresa e também saía para fazer os pagamentos, tanto é que nós fomos buscar, eu e um tal de Marcondes... Marcone, Marcone! Que era o chefe da parte do caixa, tesouraria né, nós íamos buscar o dinheiro para pagar os funcionários da fábrica, pagar em dinheiro, e nós íamos buscar no Banco Banesco naquela época, lá na Praça Antônio Prado, nós entrávamos no Banesco, descíamos ao subsolo, que era lá embaixo... Aquele dia, eu me lembro até hoje, que quando nós descemos desse lado do elevador, do outro lado descia um caminhão da Brinks, da... Seguro do carro né... O carro forte... Descia um carro forte também. Porque os carros fortes lá do banco entravam por um portão fechado, enorme, não havia vazão nenhuma, apenas abria o portão e os caminhões entravam, quando fechavam o portão o caminhão dava um toque e desciam ao subsolo para entregar o dinheiro ao banco. Eles descendo por um lado e eu descendo pelo outro através do elevador normal. Quando chegamos à tesouraria, ali onde tinha o dinheiro, você não via o cara entrar, [35'] era um bequinho assim [faz um sinal de que o beco era apertado], o cara chegava meio que de lado ainda para atender ao guichê, porque tanto de um lado, quanto de outro, era só caixas de dinheiro... Nunca vi tanto dinheiro em minha vida. Pegava o dinheiro, enfiava na maleta, subia e elevava para a empresa separar para fazer os pagamentos dos funcionários da empresa York, que a companhia... O escritório era na 25 de março, mas a fábrica ficava lá na gasômetro, então tínhamos que fazer os pagamentos mensalmente lá. E éramos nós que fazíamos, eu e o Marcone. Depois de isso aí eu fui trabalhar de Delfin Crédito Imobiliário, você se lembra da Delfin Crédito Imobiliário?
Pergunta:
Não...
Resposta:
A Delfin Crédito Imobiliário é uma empresa de... Não era Delfin Neto... Não era Delfin Neto... Todo mundo fala que era Delfin Neto, mas não era... A Delfin Crédito Imobiliário era uma empresa de vendas de habitações, de casas. Eles faziam as casas e as vendiam, e quem mandava em tudo isso era a Delfin, ela fazia... Ela tinha os recursos e fazia. Tanto é que eu deixei de comprar uma casa aí, porque eu era funcionário e eu deixei de comprar uma casa aí.
Pergunta:
A essa altura você morava com seus pais ainda?
Resposta:
Morava com meus pais e meus irmãos lógico, em São Paulo. Aí meu pai já tinha... Depois desses lados todos aí que eu fui demitido de um, pedi a conta de outra e tal... Nós acabamos comprando uma casa em outra vila, na Vila IVG, compramos uma casa lá. Só que meu pai comprou uma casa muito... Só tinha dois cômodos né, dois cômodos... Por causa do terreno que ele comprou, o terreno era grande e tal, mas tinha dois cômodos e o banheiro era lá no fundão, lá embaixo, você tinha que sair na chuva e ir ao banheiro, legal né? [risos] Só que nós não moramos ali, meu pai demoliu, aproveitou só um cômodo que era bem feito, e fez uma casa enorme ali, aí fomos morar todo mundo nessa casa, lá na Vila IVG, no caso do pessoal lá da gente né, fomos mora lá. Foi muito divertido ali também, foi de ali que eu comecei a [faz um sinal com as mãos simbolizando "caminhas, evoluir"].
Pergunta:
E como foi essa opção pela contabilidade? Você disse que fez um técnico em contabilidade e _______________?
Resposta:
A opção pela contabilidade foi o seguinte: como eu trabalhava em tesouraria, mexia com muitos números também e eu tinha um amigo que estudava... Sempre estudou comigo, um tal de Paulão. Ele estudava comigo no primário, depois deu uma sumida, depois começou a voltar... E nós entramos em um acordo que resolvemos fazer técnico em contabilidade, ‘Vamos fazer técnico em contabilidade, rapaz. É uma área boa agora, a gente pode até abrir um escritório e tal, vamos fazer isso. ' Topamos e fomos os dois. Eu trabalhava na Avenida Paulista na Delfin Crédito Imobiliário, nessa época, nem me lembro da idade, não venha perguntar a idade que eu não me lembro... [...] Trabalhava na Paulista, pegava ônibus da paulista até o parque Dom Pedro, pegava ônibus do parque Dom Pedro para ir lá para o Gasômetro...
Pergunta:
Para quê?
Resposta:
Estudar. No Brás. Colégio 30 de Outubro, no Brás, nós estudávamos lá. Aí começamos o primeiro ano bem e tal, chegou ao segundo ano para se matricular e ele caiu fora, não servia para isso não. Falei ‘ah, já que você não serve, eu vou continuar', e continuei. E ele foi... Ele partiu para vender sucata de automóveis, de carro, que dava muito dinheiro naquela época, nossa... Dinheiro para caramba. Tanto é que ele comprou uma casa da onde eu trabalhava da Delfin Crédito Imobiliário, ele comprou uma casa lá no parque Oratório, ali na Av. Oratório da Vila Industrial, e tudo ali foi a empresa que construiu, eu podia ter comprado uma casa ali e não comprei de bobeira... Até me falaram: ‘Puxa vida, rapaz, você teve tanta oportunidade e não comprou... ', falei ‘Deixa para lá'. [...] Terminei o técnico. Ele saiu fora e eu terminei o técnico. [pausa] Eu estava trabalhando na Delfin Crédito Imobiliário e faliu, tenho tanta sorte que faliu... [40'] Perderam dinheiro e faliram... Acho que roubaram né, porque para falir daquele jeito era impossível, tinham muito dinheiro... De ali eu fui trabalhar aonde? [...] Rapaz... Deixe-me pegar minha carteira profissional que eu te falo [risos].
Pergunta:
Não... Não...
Resposta:
[gargalhada] De ali eu fui trabalhar em Santo André, em um escritório de contabilidade chamando Consulta.
Pergunta:
Até então você não tinha nenhuma relação com o ABC?
Resposta:
De jeito nenhum. Aí que começou. De ali, eu fiquei acho que uns três ou quatros anos nesse escritório de contabilidade, meu primo trabalhava em uma quentinha, marmitex em Diadema, contabilidade... ‘Nercilio, eu estou precisando de um auxiliar... Venha trabalhar comigo... ', ‘Você está brincando? Você nunca me convidou para nada... ', ‘Nercilio, eu estou precisando de um auxiliar, pô... ', ‘pô, mas aqui estou sendo contador... '- mesmo técnico, eu poderia ser contador naquela época, hoje não. Antes você podia assinar hoje técnico não assina apenas graduado. - ‘Mas eu estou precisando de um auxiliar... ', ‘Quanto eu vou ganhar? ', ‘Quanto você ganha aí? ', ‘Mil.', ‘Vou te dar R$ 2500,00', ‘Ah, beleza, eu vou. ' E caí fora. Fui trabalhar em Diadema. Trabalhando em Diadema na contabilidade, eu comecei a perceber os fatos contábeis, e lá dentro eu peguei um larápio... Tanto na sucata, quanto dentro do caixa da própria empresa. O cara da sucata era o "gerentão" de produtos industrializados, toda a sucata que saía de lá... Porque se tem uma bobina de alumínio, automaticamente quando ela é colocada dentro de uma máquina, ela vai picotar em determinados lugares, concorda? Para fazer as quentinhas... E o que vai sobrar? As rebarbas, elas eram sucata e era alumínio, esse alumínio é nota [esfrega os dedos simulando dinheiro], tanto isso, quanto a tampa que também sobrava. E quando sobrava a sucata, que havia um galpão enorme lá que se jogavam as sucatas lá dentro e elas eram vendidas, só que quando entrava para a empresa... O dinheiro não, a sucata saia, mas o dinheiro não entrava e foi onde eu peguei. Falei: ‘Pô, espera aí, a gente vende tanta sucata e cadê o dinheiro que nunca entrou aqui?', esse meu primo era contador e eu falei: ‘Cara, estão roubando a empresa', ‘Como roubando?', falei: ‘Mostra para mim onde estão as contabilizações de entrada dos valores das sucatas, onde estão contabilizadas?', ele parou, pensou e falou: ‘P****, sabe que você tem razão? Eu andei contabilizando as entradas de umas sucatas aqui e depois parou... ', falei: ‘Parou né? Mas você parou de vender?', ‘Não... ', então... Alguém está roubando. [...] Aí acabaram descobrindo e eu fui quem deu a dica, mas acabaram descobrindo que era o gerente de produção. Ele vendia as sucatas e quando entrava o dinheiro, ele simplesmente... E não era na conta, era na conta dele, ele deu a conta dele... Entrava na conta dele e era dinheiro para caramba... No caixa tinha um amigo chamado Elso, era um "negão" de dois metros de altura, com um peitão desse tamanho [abre os braços simulando o tamanho do peito do homem], parecia um tição... Ele era o caixa da empresa, tudo o que ele fazia ia para contabilidade e eu recebendo, fazendo, mexendo... Comecei a descobrir que... ‘P****, tem umas duplicadas aqui que foram recebidas ou que foram pagas e o dinheiro não entrou... ' Dai descobrimos o rolo dele né. Aí falei para o Luís, meu primo: ‘Olha, estão tendo outros casinhos aí no caixa... ' [...] E o cara tinha lá seus dez, doze anos de empresa... ‘Mas como Nercilio? Você está ficando louco?', falei: ‘Não estou não, você quer os papeis? Eu vou dar os papeis para você analisar... ' [45'] E realmente estava. Levava vinte, levava trinta, levava quarenta, levava cinquenta, levava cem, levava duzentos, levava trezentos, levava mil, mil e quinhentos, e ia levando... Mas estava levando assim... Pô, legal... O cara morava em Salto, perto de Itu, vinha de lá de carro e voltava de carro todos os dias, ele tinha uma casa legal, tinha uma mulher muito bonita, baixinha, bonito, com olhos verdes e tal... Ia pescar todo o final de semana, ele tinha uma tralha de pesca que você nem imaginava e ganhava um pouco menos que eu... Fiquei imaginando... Descobriram e o mandaram embora, mas para não deixá-lo na mão, a quentinha... Ele vendia marmitex e você sabe que marmitex na região do interior vendia muito, tinha também a empresa concorrente chamada Alincon, que vendia demais e nós perdemos a concorrência para essa Alicon na região do interior, de Salto, Itu, Boituva, Tatuí, Bauru... Nesses lados aí nós perdemos para essa Alincon. Mandaram esse Elso embora e para não deixar ele na mão, deram uma representação para ele em Salto, falaram: ‘Olha, já que você vai embora mesmo, nós vamos dar uma representação para você lá em Salto, vê se você consegue levantar a região para a gente, a gente vai vender muito mais que isso. Se você conseguir levantar essa região, vendendo mais quentinhas que a Alincon, a gente consegue... ' E nessa barca, a empresa foi caindo. Com a Alincon subindo, a quentinha estava caindo... A venda não era suficiente e me mandaram embora também. [risos] Eu "caguetei"... Não "caguetei", dedurei o outro, coisa que dificilmente eu faço só que é contábil né, veja bem, era uma coisa que eu estava vendo nitidamente na contábil... Caso você faça uma coisa errada, mas que não prejudique ninguém, eu nunca vou falar de você, nunca. Mas se você fizer algo errado na empresa em que eu trabalho sendo eu o cara da contabilidade e estou vendo o que você está fazendo de errado e, na verdade, você está levando vantagem no erro, eu vou falar. Vou chegar para você e falar: ‘Cuidado, eu estou de olho', falei para ele, para o Nelson: ‘Cara, cuidado que eu estou de olho', ‘Mas está de olho em quê?', virei e falei para ele: ‘Nos seus papéis' e ele ficou na dele. Ele foi mandado embora, passaram-se três, quatro meses e eu fui mandado embora, não fui ao mesmo momento porque, lógico, trabalhávamos juntos, eu com meu primo né... Para você ver como são as coisas, O Elso me convidou para ser colega dele nessa empresa lá em Salto, falei: ‘estou fu****', ‘ Mas vamos, vamos, vamos, vamos, vamos... ' Eu morava com meus pais aqui no IVG, naquela casa que meu pai construiu, e ele ‘vamos, vamos, vamos, vamos...' Conversei com minha esposa... Falei: ‘Olha Elso, fui mandado embora, não tenho dinheiro para pagar nenhum aluguel, estou duro igual a uma pedra, como vou para Salto com você?'
Pergunta:
Casado, demoramos dez anos para ter uma filha, tivemos um filho neste intermédio que morreu no hospital São Caetano devido a uma falha de uma médica estagiária, ele morreu asfixiado com o cordão umbilical, justamente na época em que eu tinha ido para Salto. Eu estava indo com ele para Salto para conhecer os fatos para a gente entrar em um acordo se eu seria sócio ou empregado e como eu não tinha dinheiro, tinha que ser empregado, enquanto como ele recebeu muito dinheiro da quentinha, ele abria o negócio. Nessa altura do campeonato, quando eu estava saindo de casa para ir para Salto visitar novamente as instalações que ele estava fazendo, para fazer com que essa empresa fosse a fundo [50'] e ver o que ele estava fazendo, eu fui. Quando eu saí de São Paulo e cheguei a Salto, meu cunhado me ligou e falou: ‘Sua esposa não está passando bem', falei ‘Ah, não acredito... ', aí voltei. Quando voltei, meu cunhado tinha levado ela para o Hospital São Caetano, a médica fez os exames e disse que estava tudo normal, e não estava ela voltou para casa e nesse meio termo em que ela voltou para casa e passou à noite, eu cheguei, ela ainda não estava passando bem, levei ao hospital e o neném faleceu. Era para ter feito o parto na hora que ela tinha ido à primeira vez, e a médica não fez. O que eu xinguei esse Hospital São Caetano... O que eu falei para aquelas madres na época... Não está escrito em gibi nenhum. Procurei a médica no hospital e não achei mais, ela sumiu, como sempre né... E acabamos indo para Salto. Com a perda do bebê e tudo mais, acabamos indo para Salto, mas fomos morar dentro da casa dele, o que foi um erro, mas não tinha outro lugar. Foi até normal, eu tinha um carro, um ___, Volkswagen¸ podre que só ele, meu pai tinha me vendido por dois mil reais na época, quando você escutava aquele barulho desgraçado, era o Nercilio que estava chegando, calor do c******, carro barulhento da p****, sem escapamento, não fechava a porta, tinha que amarrar a porta para fechar... Beleza. Fui para Salto. Chegou a Salto e começamos a morar na casa desse cara. Tudo o que ele comprava era sempre de primeira, tudo, porque além de ter roubado a empresa... Ele não ficou sabendo que eu falei lógico, se não ele não teria me convidado, se ele soubesse que tinha sido eu quem abriu o jogo, ele não teria me convidado... Fomos para lá. Chegamos lá na casa dele, arrumaram um quarto para nós, estava eu e minha esposa, arrumaram um quarto para nós e nós estávamos morando ali e eu trabalhando com ele. Eu pegava o meu carro, ia até o lugar que ele alugou como empresa, pegava os catálogos, pegava as coisas e tudo mais, e saía para o interior de São Paulo para vender. Saía para Sorocaba, saía para Tatuí, saía para Itu, saía para Bauru, saía para todos os lugares para tentar revender esses produtos, só que a outra empresa estava mais a frente, né, a Alincon estava mais para frente... Foi indo, foi indo, foi indo, o negão acabou praticamente deixando a quentinha de lado e começou a colocar outros tipos de produto dentro dessa empresa, que na verdade ele abriu uma representação não só das quentinhas, mas de outras empresas também, como podia ter pegado a Alincon também, né. Só que a gente estava com a quentinha e elas bancavam uma parte, você não ia chamar uma concorrente para entrar, entendeu? Aí ele começou com sacos de papel, começou com saquinho de não sei o que, pipoca, amendoim, etc. Começou a entrar com produtos de alimentos e começou a subir, aí ele começou a aumentar e a quentinha acabou... Ele acabou abandonando boa parte da quentinha... Oferecia, mas oferecia mais outros produtos que tinham lá e ele começou a subir. Ele tinha uma Kombi, passou a ter nove, e quando me pagava, pagava com cheque sem fundo, toda vez. Eu falava para ele: ‘P****, meu, entra tanto dinheiro, a gente vende tanto e você me dando cheque sem fundo?', ele virava e falava: ‘É para você não sair da minha casa'. Falei: ‘Como é que é? Para eu ficar morando com você dentro da sua casa? Você está ficando louco! Você tem que me pagar para eu comprar uma casa, comprar alguma coisa, ou morar de aluguel em algum lugar, você é louco?'- ele era louco, isso é certeza. Tanto é que quando ele ia caçar tatu ele me chamava: ‘Vamos caçar tatu filho da p***!', ‘Vamos lá!'. Pegava a Brasília dele, zerinho... Essa Brasília tinha na cidade, estava na cidade de Salto de um cara que eu nem conhecia... Aí a Brasília passou e ele falou: ‘Vou comprar aquela Brasília', falei: ‘Beleza!'. Amarela, linda, bonita para caramba... Marrom! Linda para caramba, com as rodas todas bonitinhas... ‘Vou comprar!' e comprou mesmo, comprou a Brasília. Chegava o dia... Eu vendia, além dos produtos da quentinha [55'], eu vendia todos os produtos dele porque eu estava representando o cara, concorda? Aí o que aconteceu? Uma Kombi, segunda Kombi para entregar de produtos, terceira Kombi, quarta Kombi, quinta Kombi... Foi comprando, sexta Kombi, sétima Kombi, foi comprando as Kombis... Vendia uma, comprava outra, comprava outra e vendia uma mais velha... E rodou ali entre quatro, cinco, seis Kombis, mas sempre uma mais nova. Mas você tinha que abastecer, você tinha que colocar combustível, você tinha que colocar o óleo, ‘vamos fazer um convênio com posto?' e fizemos um convênio com o posto. Chegava o dia do pagamento: ‘Toma aí o seu pagamento. ', ‘Pô Elso me da dinheiro, preciso de dinheiro para pagar uns negócios', ‘Não, toma esse cheque e deposita'. Depositava e me ferrava de novo, cheque sem fundo, e voltava... ‘C******!' Aí dei umas duras nele. Foi nessa época que minha esposa ficou ferrada: ‘Eu vou trabalhar. Não aguento mais ficar aqui dentro', falei: ‘Está certo, vai sim. Se você acha que tem condições, vai trabalhar, porque se depender desse cara nós estamos ferrados. Ele me paga sempre com cheque sem fundo, está aqui olha, estou mostrando para você, cheque sem fundo e o filho da p*** tem dinheiro!' [...] E eu falei com ele. Falei com ele, falei com a mulher dele, fiz uma reunião lá e falei: ‘Pô, meu. O que você está fazendo comigo? Você quer que eu vá embora? Eu vou', ‘Não, fica aqui com a gente, numa boa, tranquilo. Esse mês eu vou te pagar em dinheiro. ', ‘Beleza! Vai pagar em dinheiro?', ‘Vou!', pagava em dinheiro nada, pagava com cheque sem fundo... Finalizando o assunto... Ele veio para São Paulo, o Elso, em uma ocasião... Chegou a São Paulo e conheceu um advogado e esse advogado, sabendo dessa representação que ele tinha em Salto, virou para ele e falou assim: ‘Elso... '- aquela época era a época do sumiço do leite... Não havia leite em supermercado nenhum, tanto a Nestle, quanto a Glória e os Leites Ninho estavam sumidos do mercado... E esse advogado virou para ele e falou assim: ‘Vamos fazer uma _______', ‘Vamos!', ‘Você topa?', ‘Topo!' e compraram quatro caminhões de leite... Ele e esse advogado fizeram uma junção de dinheiro e compraram quatro caminhões de leite. Um caminhão foi direto para Jaú, que ele entregou em um supermercado e recebeu em dinheiro. Os outros três caminhões... Ele alugou três galpões, um em Sorocaba, um em Tatuí e um em Salto, para guardar os caminhões com leite porque depois, no mercado ia subir o preço do leite e ele ia ganhar muito dinheiro, só que ele se esqueceu de pagar a empresa que vendeu para ele [risos]... Esqueceu-se de pagar... Ele não pagou as embalagens duplicadas da empresa que ele comprou os patrões do leite, né... O leite da empresa. [...] A empresa meteu ele no pau, lógico, e ele não pagou mesmo assim, e a empresa pediu a ______, colocou a polícia em cima... A polícia descobriu os três galpões e levaram o leite embora. O posto colocou falência nele também, porque ele não pagava o posto... Bicho, o cara era muito filho da p***... Nem eu ele não pagava, e pagava o posto? [risos] E nessa altura do campeonato, a minha esposa arrumou emprego... E antes de acontecer todo essa trama com ele, que eu já sabia o que ele ia fazer né, Quando ele chegou muito alegre eu já falei: ‘Eita! Aí tem treta... ' e falei para a minha esposa: ‘Vamos embora. Você arrumou um emprego?', ‘Arrumei!', ‘Conversou com alguém sobre casa para alugar?', ‘Conversei. Tem uma amiga minha com uma casa para alugar e ela vai alugar barato para a gente, e eu trabalhando de costura vou conseguir ganhar dinheiro para pagar o aluguel. ', ‘Então vamos embora!', não tínhamos nada mesmo... A gente não tinha nada lá, só tínhamos umas tralhas lá e caímos fora... Quase mataram ele lá dentro de Salto... Todo mundo saiu atrás dele e o cara SUMIU! Sumiu porque ele devia todo mundo, inclusive os caras de São Paulo, que mandaram um cara para lá atrás dele, para matar ele [01h] e os caras de Salto queriam matar ele também porque ele estava devendo o posto e devendo todo mundo lá em Salto... Ele devia todo mundo, inclusive as Kombis que ele comprou, ele devia... O cara sumiu, essa foi à conclusão de Salto.
Pergunta:
E você para cá?
Resposta:
Não viemos embora não. Ficamos em Salto, e ali eu arrumei emprego na Prema... Na Prema trabalhei por dois anos como auxiliar... Ativo imobilizado, ativo fixo, como eu sabia contabilidade e era patrimônio, ativo fixo, e entrei ali. Comecei a ganhar a confiança de todo mundo e nessa altura do campeonato, de frente a empresa, fizeram... Colocaram uma terraplanagem para a construção de casas, fui lá à Caixa, comprei a casa e continuamos em Salto, eu trabalhando aí e minha esposa na tecelagem que ajudava muito ela... Fiquei sete anos em Salto. Trabalhei nessa Prema, pedi a conta para trabalhar em uma empresa que foi de São Paulo para Porto Feliz, chamada Schadek, nessa Shadeck trabalhei por um ano em Porto Feliz, saía de Salto e ia para Porto Feliz, uma hora mais ou menos de viagem, uma hora para ir e uma hora para voltar, trabalhei um ano lá, a empresa estava começando em Porto Feliz, mas tinha maquinários, então eu fui lá avalia-los. Trabalhei esse ano e depois voltei para Salto... Aí fui para Itu, morando em Salto, fui para Itu morando em uma casa de aluguel, enquanto não construísse a nossa lá... Fui para Itu procurando... Olha como são as coisas lá, meu, a gente fica até pensando na situação... Eu fui a Itu procurando emprego porque eu pedi... Ah, não, minto. Lá na Shedeck me mandaram embora porque vinham funcionários de São Paulo para lá, então não tinha mais necessidade do meu serviço porque já vinha um de lá de São Paulo, falei: ‘Ah, beleza', fiquei um ano, e mandaram embora e beleza, saí para Itu para procurar emprego. Em Itu, procurando emprego, passando pelas ruas, ali pela... Como é que chama? [...] Floriano Peixoto, uma das ruas principais de Itu, em uma esquina lá, olhei assim... Falei: ‘Meu Deus do céu, essa esquina não tem nada a ver comigo, mas vamos entrar... ' entrei, tinha uma recepção pequena, uma porta ao meio... Entrei, olhei: ‘O que é aqui?', perguntei: ‘O que faz aqui?', a menina falou assim: ‘aqui é o escritório da Gaplan Consórcios. ' [...] Falei: ‘Como é que é? Consórcios? Vocês fazem consórcios aqui?', ‘É. De carro, de aviões, de trens, de ônibus, de caminhões... Tudo o quanto é tipo de consórcio, essa empresa faz. ' [...] ‘Vocês não tem emprego para mim aí não?' Nessa hora que eu falei: ‘Vocês não tem emprego para mim aí não?' saiu um cara de dentro da sala, um tal de Dorival. Ele saiu da sala, olhou para mim assim com uma cara, eu olhei para ele e falei: ‘Pô, espera aí... Não te conheço... '- Lógico, não conheço e ele também não me conhece... Ele olhou para mim e perguntou: ‘Você está procurando emprego? ', e eu falei: ‘Estou. ', ‘Você é da onde? ', ‘Sou de São Paulo', ‘Acertou. É aqui o seu lugar. ', falei: ‘Como assim o meu lugar? ', ‘Cara, eu também sou de São Paulo e estou precisando de um cara aqui como você de São Paulo, que conheça as coisas... Você quer trabalhar aqui? ', falei: ‘Quero, mas cara tem que fazer algum teste? ', ‘Tem, mas não se preocupe com o teste que eu te faço tudo, ensino-te, você passou pronto. ' Entrei naquele dia, fiz um teste, fiz umas respostas que eu sabia de contabilidade, que eu sabia algumas partes e tal e o resto ele falou: ‘O resto deixa que eu faço', fez, ‘Está aprovado'. Ligou para o departamento de pessoal da empresa que não era naquele lugar, era em uma casa mais acima: ‘Rock, tem um senhor aqui chamado Nercilio Borri e ele está indo aí para você admiti-lo para contabilidade'. [01h05'] Olhei para ele e falei: ‘Você é louco? ' e ele falou: ‘Eu não sou louco não, eu acho que vou ter muita confiança em você aqui dentro. Vai lá ao Rock que ele vai assinar sua carteira profissional. ' [...] Fui lá ao Rock, ele pegou minha carteira, assinou como administrador de bens, da _____, tudo bonitinho, assinou a carteira e me deu: ‘Começa a trabalhar amanhã! ' e eu falei: ‘impossível, eu vim hoje aqui e amanhã começo a trabalhar? Você é louco? Não vou trabalhar amanhã não, vou trabalhar na semana que vem. ', ele falou: ‘Tudo bem, Nercilio. Vai embora, vem trabalhar semana que vem. ' [risos] Fui para casa, cheguei para a minha esposa: ‘ARRUMEI EMPREGO! ', ‘Que emprego você arrumou rapaz, você é louco? ', ‘Arrumei emprego sim, na Gaplan Administradora de Bens', ‘Que empresa é essa? ', ‘É uma empresa de consórcio. ' [...] Por outro lado, lá dentro tinha um gerente chamado... Qual o nome do gerente... Esse é Dorival e o outro... Não lembro, não lembro... Um cara muito legal, era o gerente geral, não me lembro do nome dele agora, mas ele era um cara muito legal. Aí na semana seguinte eu fui lá trabalhar, tudo c que é caipirão, né, os amigos... todos caipirões, aqueles caras caipiras... Quando o chefe entra faz assim [sinal de reverência], porque é o chefão né, p*** medo de ser mandado embora, p*** medo do cara que entra lá, que é o dono da empresa, que o dono da empresa ia lá, que é o seu Gazola, não é esse Gazola da televisão, é outro Gazola que ia lá e todo mundo tinha medo dele, porque ele trabalhava lá, ele ia lá, ele e o filho... E todo mundo fazia assim para o cara [reverência] quando o cara passava, e eu era o único que não fazia p**** nenhuma, ‘caguei para esse cara, se ele é o dono, se não é o dono, o que eu quero é receber dinheiro'... Comecei nessa contabilidade cara, e esse Dorival... E esse cara que era esse gerente geral... O Dorival foi lá me apresentar para ele... Como era o nome dele? P*** que pariu... Eu tenho tanto nome gravado na cabeça: Francisco de Assis Marcone, que era o cara da York, Romeu Martinelli que era o cara da Intelbras... Dorival que era esse cara da... E esse outro nome eu não me lembro... Rock era do departamento pessoal... Não lembro o nome dele. Aí ele me apresentou para esse cara e esse gerente tinha quinze filiais... Então _________________ tinha a sua filial. Então todas as contabilidades iam para a matriz e quando ia para o Dorival, chegava à mesa dele e ‘Nercilio, venha cá!' e os caras ‘Pô, Nercilio? O cara entrou ontem, pô... "Nercilio venha cá"?', os caras ficavam reclamando... ‘Olha, faz isso, isso, isso, contabiliza essas filiais aqui e tal... ' e as filiais tinham poucos documentos, então era fácil para mim. Eu fazia os negócios, contabilizava e mandava para ele e os outros sempre _____ comigo, ‘Pô, por que o Nercilio? A gente trabalha aqui há tanto tempo, o cara está aqui há três, quatro anos e esse Dorival não chama ninguém, o cara entrou aqui ontem e estão chamando ele... ', ficaram muito possessos comigo. Foi passando o tempo, eu fui ficando nessa empresa, aí chegou esse gerente... Chegou para o Dorival e falou: ‘Dorival, eu preciso de um cara que mexa diariamente com a tabela de preços e que mande a carta de concessão diariamente quando a filial necessitar, no valor real do carro no dia. ', porém quem mexia na tabela e a reajustava diariamente eram os caras do CPD, eles eram muito bons nisso, nessa parte de atualizar tabelas com as inflações diárias, inflações mensais, inflações anuais... Eles eram muito bons. [1h10'] Quando a filial ligava e precisava de uma carta de concessão de um carro, ‘Carro tal, quanto é?', a carta de concessão é tal, tinha que mandar a carta de concessão com o valor do dia, então o cara pegava a carta lá e comprava o carro, você mandava a carta e o cara pegava o carro... Esse cara chegou e falou assim: ‘Quero alguém que conheça isso muito bem e faça com que as cartas cheguem de acordo e com valores atuais, porque estou vendo que tem alguns valores atrasados' [...] ‘Ah! Eu tenho um cara bom para isso, Nercilio vem cá! Vai lá falar com aquele cara' e eu fui lá à sala dele e ele me explicou tudinho o que tinha que ser feito... E os outros de lá... Aí que queriam me matar mesmo. [...] Tanto é que teve uma ocasião dentro dessa empresa em que eu estava sentado em minha mesa, estava tranquilo ali fazendo os negócios da contabilidade, aí esse gerente me chamou... Lá era um corredor e uma porta, ali era um escritório grande que tinha uma parte de contabilidade, a parte de consórcio e todos os pedidos de consórcios que tinham do público estavam naquele lugar, do outro lado tinha outro setor, lá na frente o CPD e do lado de cá a parte da diretoria... Gonçalo! O nome dele era Gonçalo, aquele filho da p***. Ele chegou à porta, abriu e falou assim: ‘Nercilio venha cá!', quando eu levantei da cadeira, fiz questão de derrubá-la no chão, cadeira de rodinha, eu levantei e coloquei as pernas assim e fiz VLAU! [onomatopeia] e a cadeira fez [onomatopeia] PLAU! Fez aquele barulho, e todo mundo: ‘Agora ele vai ser mandado embora! Legal, legal, ele vai ser mandado embora!', fui lá falar com o Gonçalo. Chegou lá e: ‘O que aconteceu com a cadeira?' e eu falei ‘Caiu, por**, o que você quer que eu faça? Levantei e a cadeira caiu, e aí qual o problema?', ‘Nercilio, eu preciso que você mude de serviço aí' e eu falei: ‘Beleza! O Gonçalo, car*****, você precisa de um serviço para um, um serviço para outro e cadê meu dinheiro por**? Você não vai me dar aumento?', ‘Você precisa de aumento?', eu falei: ‘Lógico, pô!', ‘Mês que vem aumento para o Nercilio' e mandou para o departamento pessoal. Trabalhei nessa empresa por quatro anos, dessa empresa eu vim para São Paulo, fiquei em Salto pro sete anos, essa empresa hoje tem um prédio de quinze andares, com um heliporto em cima, um tremendo de um quarto residencial, enorme, Gaplan Residências, tem uma empresa de ônibus, é uma das empresas mais ricas e agora é administradora de bens, era Gaplan Consórcios e agora é Gaplan Administradora de Bens... Aí eu pedi a conta.
Pergunta:
E veio para São Paulo?
Resposta:
Isso.
Pergunta:
Como foi essa vinda para São Paulo?
Resposta:
Nessa vinda para São Paulo, eu liguei para o meu pai e perguntei: ‘Pai, tem um lugar para mim aí?'[...] Nisso, em sete anos de Salto, eu comprei a casa, moramos na casa, quando eu vim para São Paulo e liguei para o meu pai perguntando se tinha algum lugar para mim, ele respondeu: ‘Tem'... ‘Pai, só para colocar uns bagulhos ai, tem algum lugar aí?', ‘Tem, pode vir', peguei o caminhão, encostei, coloquei as tralhas no caminhão e vim para São Paulo. Pedi a conta na Gaplan, mas porque eu fiquei três semanas para pedir a conta, ninguém queria que eu fosse embora...
Pergunta:
Por que você se interessou em deixar Salto?
Resposta:
Eu não tinha mais saco para aguentar aquela maresia, aquela calmaria, aquela paz... Às seis horas da tarde você saia na rua e não via uma alma viva, às 20h era pior ainda, vish... E ainda que eu morava em um condomínio meio afastado do centro e o centro já era uma maresia, uma plenitude, uma paz que você nem imaginava, parecia que só tinha defunto e como eu morava do lado, era um lugar pior ainda, porque era meio afastado do centro, você só via as luzes e aquela escuridão do bairro, você saía na rua e não tinha ninguém... E olha que eu jogava bola, os meus domingos eram fantásticos, eu fui bicampeão amador em Salto jogando bola.
Pergunta:
Em qual posição você jogava?
Resposta:
Centroavante. Em Salto eu joguei na lateral esquerda... Tenho fotos com um trofeuzão desse tamanho [sinaliza o tamanho do troféu com as mãos], tenho fotos... Fui um dos melhores laterais em Salto.
Pergunta:
E como foi essa transição com essa vinda para São Paulo até você chegar ao IMES?
Resposta:
Essa foi interessante. Meu pai falou que tinha um lugar, eu peguei minhas tralhas, coloquei lá, aluguei uma casa lá, que tomei uma bomba violeta, porque na realidade o cara era... Deixei R$ 150,00 para o cara pagar, um exemplo, R$ 150,00 para o cara pagar a mensalidade da casa e o cara não pagou uma. Eu aluguei para um amigo meu um negão, que _________ na saída e no meio, foi o que eu ele fez, alugou os três. Não pagou a casa, não fez nada, não fez nada. Em uma ocasião, eu cheguei lá, a Caixa me ligou, falando que eu não tinha pagado as parcelas, que fazia um ano que eu não pagava as parcelas, ‘Como faz um ano? Eu aluguei a casa faz um ano?', ele não pagou uma, foi quando eu fui obrigado a vender a casa para recuperar alguma coisa, aí vim para São Paulo. Chegando a São Paulo, coloquei as tralhas em um quarto do meu pai, isso foi em abril ou maio, o ano não me lembro... Coloquei as tralhas lá e falei para o meu pai e para a minha esposa: ‘Eu vou procura rum emprego porque não da para ficar aqui, vir para cá e ficar sem trabalhar, na casa do meu pai ainda, piorou... ' aí comecei a procurar empregos e esse negócio de currículos não existia naquela época também... Currículo, currículo, currículo, você faz o currículo e manda, manda, manda e o cara ignora: ‘Ah, é currículo?' e coloca na gaveta... O negócio era: ‘O que você faz?', ‘o que você sabe fazer?', era papo, entrevista mesmo, papo... Aí teve uma ocasião em que uma amiga, uma colega da minha esposa trabalhava em uma empresa de costura e falou assim para mim: ‘Você quer trabalhar nessa empresa? A gente está precisando de um contador, de um cara da contabilidade nessa empresa têxtil' e eu falei: ‘Ah, vou ver'. Fui lá ver esse emprego e sinceramente eu acabei nem entrando direto na firma, porque me pediram para aguardar, aguardar, aguardar e o cara não apareceu, eu falei: ‘Quer saber, vou ir embora dessa porcaria, só fico aguardando, aguardando... Ou o cara precisa, ou não precisa, ou então chega e fala: "Olha, não precisa mais, pode ir embora" [...]' Fiquei lá por uma hora, duas horas e aí falei: ‘Ah, vai se ferrar' e saí. Desci a rua, veja bem... Isso foi no Ipiranga, na rua Cipriano Barato essa empresa têxtil... Aí desci a Nazaré, ali do Ipiranga, desci e... Vim descendo, vim descendo, vim descendo e tal, quando chegou à Nazaré, no cruzamento daquela outra rua que eu não me lembro do nome, tem uma agência de emprego de esquina... Aí veio aquela questão: ‘Entrou ou não entro?', ‘Vou ou não vou?', ‘O que eu faço?'... Entrei! Quando eu entrei a mulher perguntou para mim: ‘Você está procurando emprego?' e eu falei: ‘Estou, lógico que estou se não, por que eu estaria dentro de uma agência?', ‘O senhor faz o que?', ‘Eu sou da contabilidade, trabalho com contabilidade', ‘Espera um pouquinho, acho que tem alguma coisa aqui... Olha, tem aqui no IMES, o senhor conhece o IMES?', falei: ‘Não conheço, é para comer?', até brinquei com a menina, de gozação até brinquei com ela, falou: ‘Não, é um instituto de ensino superior lá em São Caetano do Sul', eu falei: ‘Mas instituto de ensino superior em São Caetano do Sul... Onde fica?', ela falou: ‘Na Goiás. O senhor não quer ir lá hoje? Estão precisando de um cara para a contabilidade', eu falei: ‘Nossa, gente é uma boa mesmo, mas que horas que atende? Já é tarde'- eram umas 15h30- ela falou: ‘Não, senhor, eles começam a trabalhar ás 13h', falei: ‘Você está brincando? E vai até que horas?', ‘Até 22h, 23h', falei ‘Caramba... '- do Ipiranga até a minha casa era perto, depois de lá para cá que era difícil vir, mas peguei o ônibus e fui para a minha casa. Cheguei a casa e falei para a minha mulher: ‘Tem uma empresa assim em São Caetano me chamando, me deram uma carta de apresentação para eu apresentar lá na empresa, o que você acha?', ela falou: ‘Pô, vai caramba, está desempregado... Vai n